Lendo menu... aguarde
Voltar ao inicio Curta nossa pagina no Facebook

Despedida do Quest

por Família Cheberle

Caro amigo,

Se eu soubesse escrever teria deixado uma carta para você. Uma carta que poderia ter sido entregue quando você ficou agachado ao meu lado, passando a mão pela minha cabeça e olhando para meus olhos sem dizer nenhuma palavra.
Naquele momento eu entendi, olhando nos seus olhos, que você estava morrendo de pena de mim. Pena porque você achava que eu estava sentindo muitas dores e porque nós dois sabíamos que estávamos prestes a uma separação definitiva. Então, na força dos nossos olhares eu passei tudo isso que você escreveu:

Amigo Lu,

confesso a você que nos dias que antecederam a minha viagem para outros campos, eu fiz uma reconstituição dos onze anos que vivemos juntos. Comecei pelo dia em que você foi me escolher, lá onde eu estava com o resto dos meus irmãos. Logo de cara eu simpatizei com você. Pelo meu instinto, achei que você era o tipo de pessoa que podia confiar. Enquanto meus irmãos faziam um monte de traquinagens, tentei lhe passar tranqüilidade. Naquele canil, fiquei mais ao lado dos meus irmãos, mas sem tirar os olhos dos seus, lembro-me de você dizendo: pronto, ele me escolheu! Lembro-me de você me estendendo a sua quentinha e aconchegante mão para a qual não hesitei em saltar. E dali já saímos juntos. Fui em seu carro numa caixinha de sapato com uma toalhinha bem quentinha... Demorou um pouco até seu carro parar novamente...
Acho que viajamos...

Naquele dia mesmo você me deu um nome. No inicio eu confesso que não entendia bem, depois fui me acostumando. Você me chamou de "Quest".

Chegamos à casa que você morava e então você me apresentou as pessoas mais especiais em minha vida: A Lu, sua esposa, a Dona Teresa, sua sogra e o Sr. José Lúcio, seu sogro, esses dois últimos meus companheiros pelos anos que vinham pela frente. Assim que fomos para dentro de casa, a Lu percebeu que eu estava com uma coceira e tanto, e graças a ela foram descobertos uns chatos carrapatinhos que herdei daquele canil que compartilhava com minha família canina. Foi meu primeiro banhinho e com muito carinho a Lu, uma amiga dela e a Dona Teresa me aliviaram daquela coceira chata... Nunca esquecerei aquele dia. Soube, desde criança, que eu estava em boas mãos.

Logo depois, você me apresentou uma coisa redonda e gostosa de morder e que foi a minha paixão número um por uns bons tempos da minha vida: você a chamava de "bolinha".

Eu tinha a varanda, a garagem e o alpendre da casa só para mim. Quando fazia calor eu entrava na lavanderia coberta e me refrescava deitando minha barriga no chão fresco.

Eu dormia ali na lavanderia, porque Dona Teresa arrumou uma casinha para mim, mas eu não dispensava ficar deitado na cerâmica fria.

Da garagem eu avistava o portão de entrada, todo o movimento da rua, e avisava quando alguém chegava. Adorava pegar o vento que vinha de todos os lados, o que tornava a varanda da garagem o lugar mais ventilado da casa.

O mês de novembro chegou e apareceu uma dor no meu quadril, que eu não conseguia saber de onde vinha. Era difícil até ficar de pé. Por dias eu até tremi de tanta dor, tive febre alta, não tinha apetite mais...

Vi a sua cara de preocupação com as coisas que a veterinária falava para você. A muito contragosto, tomei todos aqueles remédios que ela receitou.

Fiz vários exames... Via a cara de tristeza quando vocês chegavam perto de mim. Comecei a ficar muito magro. Perdi a vontade de comer. Só queria ficar deitado. Mas, evitei sempre reclamar... Não sabia se ia incomodar...

O mês de dezembro, que sempre foi um mês alegre por causa do meu aniversário e dos preparativos para o Natal, dessa vez foi o mês mais triste para vocês. Eu não queria que isso fosse motivo de tristeza para vocês. Afinal de contas vocês não imaginam o quanto eu fui feliz ao lado de vocês. Pensem nos momentos de alegria que passamos juntos. Afinal, eu fui seu filho, da Lu, da Dona Teresa e do Sr. Lúcio por onze anos. Nos momentos em que vocês sentiam saudades dos filhos que estavam longe, era comigo que vocês trocavam carinhos e por instantes a saudade partia. Nos momentos em que precisavam de um amigo era a mim que recorriam para um afago...

No meu último aniversário junto de vocês ainda recebi novos presentes, que por motivo de minhas condições de saúde, não tive forças nem para agradecê-los como mereciam... Mas aproveitei como nunca o novo travesseirinho que me deram, principalmente nos meus difíceis e dolorosos dias de dezembro. Minhas dores foram ali abrandadas, com certeza, e por mais isso sou eternamente grato a vocês.

Desculpem-me por não ter agüentado mais suportar as dores. Não era mais possível adiar o sofrimento de uma despedida. Sou muito agradecido pelo esforço que vocês fizeram por mim. A todos os doutores que cuidaram de mim com todo seu conhecimento, também sou muito grato. Sei que eles deram o seu melhor...

Gostaria que vocês soubessem que eu sempre estive ao seu lado e, quando nos dias de lua cheia vocês estiverem numa varanda ou numa janela, basta ficarem em silêncio e fecharem os olhos para relembrarem minha imagem, escutarem meu latido e me sentirem por perto.

Deixo minhas bolinhas mastigadas para o próximo amigo que vocês terão. Deixo também minha casinha aconchegante e meus paninhos companheiros de longa jornada. Deixo também minha coleira de passeio, com a qual seu novo amigo poderá ser guiado pelos melhores caminhos, como eu sempre fui. Espero que ele seja parecido comigo. Que ele seja meigo e carinhoso como eu fui com vocês. Que goste de sua comida como eu gostei. Que trate bem a todos e que seja menos temperamental que eu. Sei que às vezes eu aborrecia vocês com as minhas manias... Mas vocês me fizeram sentir quase humano... e um membro de sua família...

Muito obrigado por tudo. Sei que nunca nos esqueceremos. De seu eterno amigo, Quest.

Pouso Alegre, 25 de janeiro de 2010.

Daquela varanda escutei os risos da família, e por muitas vezes vocês me deixavam compartilhar daquela alegria, ficando deitadinho na sala de TV, olhando e tentando entender a tudo e a todos.

Por muitas vezes, vi vocês chorando me chamarem e ficarem fazendo carinho em mim. Vi vocês soluçarem de dor sem saber o que estava acontecendo. Escutei vocês perderem noites de sono e ficarem caminhando sozinhos pela casa na madrugada. Vi seus rostos se alegrarem quando eu trazia na boca uma bola de tênis toda babada ou meu paninho de dormir. Puxa! Eu adorava quando você brincava com meu paninho comigo. Como eu adorava meus passeios até a mina d'água. Era cansativo, mas o meu companheirão, Sr. José Lúcio, sempre me guiava e me incentivava, não deixando nunca que eu corresse o menor perigo. Bons momentos !!

Naquela casa eu vi a família crescer, com a chegada das queridas Lili, sua filha, e da Ana Júlia, sua afilhadinha. Essas duas também eram minhas amigonas... Eu as vi dentro das barrigonas da Lu e da Ju até seu nascimento... E depois, as vi crescer... Adorava nossas brincadeiras no alpendre, adorava dar boas lambidas em minhas doces amiguinhas... Já na rua, por inúmeras vezes eu fiz companhia ao Sr. Lúcio para tomar conta das idas e vindas das minhas doces amiguinhas em sua bicicleta azul...

Naquela garagem eu exercitava minha garganta com meus latidos e também alguns uivados, quando avistava alguma pretendente, e era ali que adorava receber os carinhos daqueles que chegavam em casa. Seu pai, o Sr. Élio, era o que mais me fazia festa quando chegava aqui, me rolando de barriga pra cima e aprontando a maior algazarra comigo. Como eu adorava esses carinhos...

Passados dois anos, soube que nos mudaríamos para uma casa com quintal, com grama e com uma nova casinha para mim. Mas o amor e o apego de Dona Teresa não me deixaram ir com vocês, mesmo porque o gramado da casa ainda precisava ficar mais firme para agüentar minhas correrias no quintal... Vocês vinham me ver quase todos os dias e eu também adorava ir passear até a casa de vocês.

Recebi meus cuidados diários pelas mãos do Sr. José Lúcio e da Dona Teresa, essa sempre me chamando de uma palavra esquisita, que não parecia nada com o meu nome, mas eu sabia que era de um jeito carinhoso: ela me chamava de "meu Fiotinho"...

Por adorar tomar meus banhos bem demorados, acabei por ficar com otite, uma chatice que me incomodava a orelha sempre. Mais chato ainda era curar aquela coceira em meus ouvidos. Você e Dona Teresa tinham que pingar uma gota gelada no meu ouvido, mas sei que resolvia a incômoda coceira até o meu próximo banho...

Numa bela tarde ensolarada, você e a Lu vieram nos ver e vi o Sr. José Lúcio e a Dona Teresa muito tristes. Depois de algum tempo conversando vocês vieram falar comigo e vi a Lu chorando bastante, enquanto me acariciava a barriga. Você me mandou buscar o paninho e fez aquela nossa brincadeira favorita, depois deu aqueles seus tapinhas no meu peito, me agradando muito e dizendo: "Fortão, fortão!!!..." Depois vi o Sr. José Lúcio e Dona Teresa chorando e dando tchau para você, para a Lu e para a pequena Lili, dentro de seu carro novo. Aquilo era uma despedida e eu ficaria por muito tempo sem vê-los... Vocês passaram a vir me ver só de vez em quando, mas, a cada chegada, eu fazia uma festa tremenda porque eu nunca os esqueci...

A idade chegou, onze anos passaram ligeiros e meus dezembros começaram a pesar. E começaram a pesar para nós todos, eu, você, a Lu, a Lili, meu companheirão Sr. Lúcio, minha mãezona Dona Teresa... Presenciei vocês indo embora, presenciei os problemas de saúde pelos quais a família passou, presenciei algumas tristezas, mas também muitas alegrias, momentos os quais nunca esquecerei...

Oportunidade de Negócio